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A Chegada de D. João VI à Bahia. Óleo sobre tela de 1952 (Crédito: Candido Portinari/Projeto Portinari)

A família real portuguesa aportou em Salvador, situada na capitania da Bahia de Todos os Santos, em 22 de janeiro de 1808. O príncipe regente D. João (1767-1826), que iria desembarcar naquela cidade, segundo a historiadora Mary Del Priore, não era um refugiado, “e sim o chefe de um Estado nacional em funções que resolveu migrar para cá”. Era o governante de um reino que ainda se estendia por quatro continentes; reino que realizara feitos náuticos nos séculos anteriores.

Essa chegada seria uma surpresa para o governador da capitania e para a população. Pelas ruas e janelas curiosas, perguntas derramavam-se, alcançando o cais. Afinal, era a primeira vez que alguém da realeza chegava até a possessão lusa na América. Outro espanto aconteceu quando os habitantes avistaram o estado lastimável dos viajantes que desembarcaram, exauridos, da travessia. Citado pelo historiador Kenneth Light, um marinheiro do navio inglês Belford, que fazia parte da frota que transportou a família real portuguesa, registrou em seu diário pessoal: “Minha pena é inadequada para descrever a situação angustiosa das pobres mulheres que superlotavam a nau”.

O governador da capitania de Pernambuco, sendo informado da chegada de tão ilustres visitantes, enviou uma embarcação repleta de frutas tropicais, como pitanga e caju, além de verduras e de legumes. Sabores exóticos para aqueles europeus, agora em terras tropicais; alimentos frescos depois de tanta carne salgada, tanto biscoito envelhecido.

No período em que permaneceu em Salvador, o regente visitou plantações e recebeu a elite local. Festejos espalhavam-se pelas ruas, homenageando o príncipe D. João. Porém, não só as visitas, as missas, os folguedos e os rapapés ocuparam o tempo do príncipe. Medidas régias, como a Abertura dos Portos, foram adotadas, permitindo leituras diferenciadas. Tal atitude, concebida pela necessidade da corte portuguesa de assegurar a sua sobrevivência na possessão americana, gerou, de fato, o fim do monopólio comercial – base das relações entre metrópole e colônia. Para alguns, esse monopólio era fruto de um cálculo político associado ao sistema mercantilista vigente. Para outros, somente reforçava a dependência econômica que Portugal e a sua possessão americana tinham com a Inglaterra, diretamente beneficiada por aquele decreto real promulgado em 28 de janeiro de 1808.

Consta que o governador da capitania da Bahia de Todos os Santos propôs a D. João (1767-1826) construir um palácio, em troca da permanência da corte na cidade de Salvador – saudoso estava, possivelmente, da condição de antiga sede do vice-reinado no Brasil. O príncipe, porém, manteve o propósito original, contrariando até desejos de alguns componentes da sua corte: fixar-se no Rio de Janeiro, centro do poder, muito bem guardado por inúmeras fortalezas e bem distante dos franceses. Em Salvador, o povo lamentou a decisão em rimas citadas pelo historiador Pedro Calmon:

“Meu príncipe regente,
Não saias daqui,
Cá ficamos chorando,
Por Deus, e por ti”.